sábado, agosto 25, 2007


Lanço olhares tristonhos

Em cada caco de memória!

Guardo a insuportável lembrança

Da felicidade, do sonho.

Explode em mim

A angústia do tempo perdido.

O longo parto da noite.


Lanço olhares doloridos

No que sobrou desse amor,

Desta miragem embaçada

Revelando a rima óbvia:

Dor.


Grito lancinante ecoando

No dia silencioso da partida.


Laço traços de aços na

Dura cortina fechando o ato,

O falso fato, de fato, nato.


Ao léu, no céu negro, a luz.

quinta-feira, agosto 23, 2007

O Princípio da Singularização


A percepção singularizada é a condição necessária para que retiremos de nossos olhos a automatização.

Bebo a angústia que há em mim!

Não aquela eterna do butiquim.

Apenas o João no balcão.

Bebo a angústia que há nos outros!

Não aquela querela do João.

Apenas o pião no salão.

Degusto delicadamente

Cada gole de minha derrocada,

A eterna lágrima do palhaço.

Faço o laço como desfaço

E disfarço a lágrima.

Não a do palhaço,

A do João no balcão.

Os Sapos

"OS SAPOS"
José Carlos Oliveira
In
A Revolução das Boneca


Chove desde ontem ao entardecer. À noite, tempestade assustadora, os trovões faziam trepidar a janela do meu quarto. Solidão agradável aqui, longe do mundo. O rio está encachoeirado e barrento. Na varanda, os sapos estão parados, angélicos. Um deles entrou na cozinha e tentei em vão expulsá-lo. O máximo que consegui foi que se transferisse para o corredor entre a cozinha e o banheiro. Lá está ele ainda. Deixei aberta a porta que dá para a varanda, na esperança de que decida ir embora. Mas os outros podem querer entrar também...
Todos esses dias sem pensar em mim, só pensando nos outros. Agora à noite, quis ir à cidade. Andei pela estrada escura, esperei um ônibus que não chegava, voltei para casa. Como o neurastênico enluarado sinto sede de aniquilamento: álcool, música, mulheres. Mas aqui estou; incomunicabilidade total.
(Agora fui ver o que há com o sapo que está dentro de casa. Ele aproveitou a luz apagada e andou um bocado na direção da varanda. Quando acendi a luz ficou imóvel; não pode imaginar que eu ficaria contente se pudesse vê-lo prosseguindo, aos pulos, na direção da liberdade.)
Parece que tudo acabou: o amor, o sofrimento, as brigas, o futuro. É assim que interpreto o silêncio dela, e no entanto sinto apenas desânimo. Sei que vou morrer cedo - bem mais cedo do que mereço, gastei até hoje a minha vida procurando a mulher capaz de mitigar a minha solidão, capaz de construir comigo uma solidão a dois, longe dos enganosos aniquilamentos, longe das noites e de seus prazeres, que a aurora desmancha; agora não tenho mais tempo, é preciso viver em solidão solitária, sem o calor da fêmea - essa freira de que preciso mais do que Jesus Cristo... Admito que as coisas acabem como começaram, isto é, por distração de nossa parte, por preguiça... Sinto que só a morte me ama com devoção.
(Olhei outra vez, e o sapinho já está na soleira. Mais uns minutos de escuridão e voltará à varanda, onde prefiro que fique. Desculpe, sapinho, mas na minha solidão não há lugar para você.)
O rádio está ligado, ouço música popular. Quisera ter algum objetivo. Mas tenho apenas inveja dos que se realizam, dos que sabem o que querem, dos que selecionam os amigos; tenho inveja de qualquer homem que tenha uma mulher e de qualquer mulher que tenha um homem. Penso com nostalgia nessas alianças e nessas opções que dão sentido à vida e para as quais não me sinto aparelhado. O ser diferente que sou - contra a minha própria vontade - não me deixa comungar convosco nas vossas alegrias, na claridade. Estou sempre na sombra.
Conheço o desespero do homem invisível. Mas a culpa é minha. Já que não ouso exteriorizar completamente o meu verdadeiro ser - difícil, silencioso, enraivecido - mostro uma espécie de estilhaço a que chamo de eu provisório. Quando me deito e no escuro faço o inventário do dia que passou, é quando me compenetro de que não sou de modo algum a pessoa que fui ao longo do dia. Mas para os outros já é tarde. Para os outros, sou sem apelo aquilo que me mostrei: fácil, indeciso, confuso, sem opinião - uma espécie de afetividade cega. Continuo no limiar de minha personalidade; aos trinta anos, ainda não nasci.
(Pronto: o sapinho já está na varanda e já fechei a porta. Ele desistiu de ficar amigo de uma pessoa que tão acintosamente o rejeita. Os sapos são sensíveis e bem-educados.)
Nesta noite, neste vale, cercado pelos eucaliptos, ouvindo o murmúrio do rio barrento e os gritos dos insetos, solitário nesta casa cheia de portas e janelas, mais perto da morte do que da vida, tenho medo.

quarta-feira, agosto 22, 2007


Forjei-me na dureza estéril da dor. Perdi o sonho redentor de minha miséria. E eis-me: perdido na reta solitária esculpindo a cena trágica.
Suscetível chuva
encobre meus olhos,
mascara a imagem limpa
de Minha infinita solidão.